segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

No compasso dos passos das horas

           Tem ano que arraa...aaa...aasta para passar. Tem ano que voa. Para Maristela esse foi um daqueles que parecia ter tido 687 dias, mas finalmente seu fim estava pertinho. Sentou-se na mesa quadrada e velha de sua cozinha e pegou um pouco de matzá, mas estava velha e mole, resolveu então que um ovo seria sua melhor opção. Feito, tornou a sentar-se. A caneca continha seu café preto, puro e frio, no prato estava o ovo mexido, mas Maristela, ah essa estava longe...
     Pensava em sua infância e como aprontara naquela época, tempo bom sem dúvida. Era um tempo que à mesa sentavam-se 10 pessoas, o falatório era grande, muitas bocas, muitos olhos, muitas mãos... Os almoços de domingo então, pareciam mais comícios. Depois Maristela se transportou para uma época de sua adolescência. Fase animada, de muitos amigos entrando e saindo da casa do Marcelo, que era o dono do "Quartel General das Noitadas". Perdera as contas de quantas coisas novas ela tinha passado naquela casa, mas uma coisa era certa: nunca saía de lá da mesma maneira que entrava, a casa era uma verdadeira surpresa constante.
     Logo ela começou a pensar no ano de definição de sua profissão, o quanto estudou, o quanto não estudou, os impasses, as dúvidas, as resoluções... Passada essa fase, a faculdade a esperava, com todos os novos percalços a serem desbravados.
Hoje Maristela era mãe, meio mineira (afinal havia se mudado do seu querido Espírito Santo há tanto tempo para Minas Gerais, que já se considerava meio de lá meio de cá), meio artista (vivia pintado quadros, apesar de não gostar de ficar olhando eles por muito tempo depois de prontos), meio geóloga... A vida lhe dera tantos ramos diferentes que hoje Maristela era um "meio-tudo" de um bocado de coisa misturada, mas gostava muito de assim ser.
     E como que só para trazê-la de volta de seu transe-nostálgico, a campainha soou. Era Adélia e Marquinhos à porta. Entraram portando consigo uma caixa novinha de matzá, Maristela ofereceu-lhes um pouco do ovo mexido que havia recém feito, mas logo ficou decidido que iriam pedir comida pelo telefone... Já à mesa, ela e os filhos começaram a conversar sobre a faculdade, os namoros, os trabalhos e muitas outras coisas...
     Esta era uma noite de quarta-feira, que iria passar arrastada, mas esse era um tipo de arrastado gostoso, que alegrava Maristela, de certeza que entraria pela madrugada botando os assuntos em dia...

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Dança a dois

LEIAM O TEXTO AO SOM DA MÚSICA:



     Ela era um ponto, na vastidão. Era madrugada, e da janela via-se um breu. Por algum motivo do lado de lá da avenida estava tudo escuro, do lado dela tudo seguia normalmente, com a meia-luz que lhe era comum e habitual durante as primeiras, e escuras, horas do dia que teimava em vir. Os cigarros corriam seus dedos, e morriam pequenos num mar de grãos de seu cinzeiro.
     Essa era a hora exata que sua vida começava a correr no sentido contrário, tomando o fluxo na contra-mão e passando em sua frente como um filme, rápido, serpenteava por entre seus olhos, se enroscava em seus cachos e partia pela janela escura que guardava o amanhecer seguinte.
     Nada parava a enxurrada que agora a invadia arrebatadoramente, era tudo turvo, como que tenta ver através de uma cortina d'água. É como se ela tivesse sido conduzida por uma legião para estar no lugar que agora ocupava, e justo no momento em que mais precisou a multidão se esvaiu... Ela estava só, completamente só. Com uma efervescência interna que borbulhava queimando-a, ela procura as respostas que a conduziram até este ponto de sua vida, mas essas não apareciam com facilidade.
     Outro trago, outra lágrima, e o filme continua a se desenrolar para trás. Quase que inesperadamente, ele breca e uma projeção de seu coração é exibida em sua paredeverde. Ele anda cheio e vazio, grande e pequeno, feliz e triste... Mas ao menos expõe uma realidade que será vivida, e que a faz pensar no grande futuro de uma, ainda, pequena garotinha, que agora tem de atravessar as ruas da vida sozinha, sem ter a quem dar a mão.
     Saindo do plano da paredeverde, ela encontra um reduto acolhedor em seus livros. Aturdida, abre um pequeno que a abraça com sua tinta em forma de palavras e a nina como um pequeno bebê.
Com o avançar da hora, Morfeu a leva para o lugar sereno do mundo dos sonhos onde novamente ela pode ser guiada pela multidão sem se perder.
     Assim a câmera da vida, abre sua lente enquadrando seu corpo deitado na cama larga, restando-nos apenas o movimento das ondas de seus cabelos.